domingo, 14 de outubro de 2012
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Batendo de Frente #2

4 comentários

Olá, rapazes e meninas! Finalmente trouxe de volta esta coluna polêmica. O Batendo De Frente #2 demorou pra vir mas sem dúvida ficou bem maior e mais completa que a primeira edição, que vocês podem (e devem) conferir aqui. Desta vez não vou falar muito sobre os propósitos da coluna, a não ser dizer o básico: o intuito é colocar de frente dois artistas de ideologias diferentes a ponto de serem totalmente opostas.

E os temas da seção neste episódio são talvez os dois mais clássicos temas opostos da política no século XX focados essencialmente em dois episódios dessa disputa que marcaram o final do século passado e o início do séc. XXI. Dois artistas apaixonados pelo que cantam em suas letras carregadas de ideologias e convicções. Dois artistas totalmente perfeitos ao intuito da coluna.

Espero que curtam e estejam preparados. Vamos lá!


Round 1

Immortal Technique

Felipe Andres Coronel nasceu em 1978 em Lima, Peru, mas aos 2 anos idade sua família se muda para os EUA. Essa poderia ser a história de uma criança rica cujos pais decidem ir morar num país mais desenvolvido para favorecer seus negócios, porém, no caso de Felipe, estamos falando de uma criança diferente. Uma criança que nasceu ao final de um longo período da história do Peru em que o país foi governado num estado de instabilidade política que o levou a alternar-se entre breves períodos democráticos e golpes militares. Longo período este que viria a ser por sua vez precedente a uma guerra civil de 20 anos que só terminaria em 2000. E Felipe não foi para qualquer lugar dos EUA, ele e sua família se mudaram para o Harlem, em Nova Iorque, a conturbada periferia americana onde a face pobre e decadente da babilônia capitalista de Nova Iorque se torna evidente na forma de desemprego, violência social e, é claro, os movimentos culturais que visam expor essa realidade, como o Hip Hop.

A infância e a adolescência de Coronel foi dividida entre dois lados incrivelmente opostos porém complementares no que veio a se tornar o Immortal Technique: enquanto Felipe passava a adolescência frequentando a cadeia diversas vezes por pequenos delitos no Harlem, o rapaz estudava na Hunter College High School, uma escola para crianças super dotadas localizadas na cosmopolita região de Manhattan. Essa dualidade se manteve até Felipe entrar na universidade pela primeira vez, quando apesar dos esforços de seu pai para que o garoto se concentrasse nos estudos, Felipe acabou sendo novamente preso pelo período de um ano por mais um pequeno incidente dentro da universidade. Após sair da prisão Felipe voltou para casa de seu pai que impôs uma condição: só deixava o garoto voltar a morar com ele caso ele completasse seus estudos. Assim sendo, Felipe adentrou na classe de Ciências Políticas da universidade pública do Baruch College também em Manhattan.



Essa música rula demais e se tornou um absoluto clássico logo no primeiro disco do cara, Revolutionary Vol. 1.
 
Durante o período que Felipe estava na cadeia, suas habilidades como rapper começavam a se lapidar de forma definitiva. Porém, Coronel não conseguia discernir de sua lírica os temas pesados da vida no Harlem que presenciava diariamente e principalmente do passado revolucionário do seu país de origem, o qual estudava fervorosamente. O Peru que, apesar de ser um dos países da América Latina cuja história é menos conhecida por nós, brasileiros, tem um passado incrivelmente rico envolvendo luta de classes, inumeros golpes de estado e a figura de um dos maiores pensadores marxistas latinoamericanos do século passado, José Carlos Mariátegui. O país que tem uma das culturas mais antigas do mundo, remontando ao antigo e opulento Império Inca, sofreu por séculos de dominação cultural e política da Espanha até que em 1824, após uma sangrenta guerra de independencia, conseguiu finalmente se desgarrar do domínio espanhol se tornando uma nação independente sob os ventos das revoluções nacionalistas latinoamericanas da época lideradas principalmente pelo espírito revolucionário de Simon Bolívar. É dificil muitas vezes pra nós, brasileiros, nos identificarmos com o espirito revolucionário e nacionalista que toma conta da América Latina, muito provavelmente por que nosso país conquistou a independencia de Portugal de forma totalmente lenta, gradativa e liderada pelas elites - e mais, nos tornamos independentes de Portugal para nos tornarmos um império governado por um português. Porém não é dificil encontrar esse espirito nacionalista revolucionário em algumas regiões do nosso país como o Rio Grande do Sul, Minas Gerais ou Pernambuco. Lugares onde revoltas populares fazem parte de sua história e fazem a população ter uma resistencia muito maior a viver dentro do status quo sem questionar sua própria situação. E Felipe, observando justamente esse passado intenso que o seu país teve, e aliando a isto a realidade social opressiva e desigual deonde vivia, começou a usar sua habilidade recém descoberta como rapper para divulgar suas idéias - estas que são amplamente baseadas inclusive em sua vida acadêmica como estudante de Ciência Política.


Afinal um socialista latinoamericano sem farda e bigodinho simplesmente não é um socialista latinoamericano.
Portanto estamos aqui falando não somente de um rapper comum que fala de sua realidade social, mas de um homem estudioso de política que usa a música pra expressar sua opniões. E não é difícil perceber que Coronel viria a se tornar um dos maiores porta-vozes do Socialismo na música atual. Suas letras além de versar sobre sua realidade social e a de seu país de origem, se concentram especialmente em ataques diretos e sem piedade ao estilo de vida americano e ao capitalismo. Sem pretensão alguma de soar essencialmente comercial, o Immortal Technique surgiu através do dinheiro vindo de batalhas de mc's que proporcionaram a ele os recursos suficientes para prensar seu primeiro disco, de forma totalmente independente, Revolutionary Vol 1. O disco foi um estrondoso sucesso no underground hip hop seja por versar sobre temas agressivos e de forma direta e concissa, quanto pelo absurdo flow e técnica do cara que o faz se tornar perfeitamente audível para qualquer audiencia, o que faz exatamente o efeito que Felipe pretendia com sua música - levar suas ideologias cada vez mais longe.

Assim, por fim, deixo-vos com o terceiro álbum do Immortal Technique, The 3rd World, que eu não considero exatamente o melhor, por que francamente todos são absurdamente incríveis, mas é o que tem as letras (ainda) mais pesadas, diretas e inspiradas. Segue um vídeo com as letras da faixa título do álbum - e sério, que porrada. Hip hop at its finest.Ah, e não posso deixar de citar que a vida do cara foi retratada em filme, que saiu a pouquissimo tempo, The (R)evolution Of Immortal Technique. Eu não vi ainda, mas deixo-vos um link pro torrent do filme (só não procurei legendas, malz ae :/ ): ei-lo.



Immortal Technique - The 3rd World (2008)

Tracklist:
1-Death March 2:57
2-That's What It Is 4:34
3-Golpe De Estado 4:35
4-Harlem Renaissance 4:03
5-Lick Shots 4:44
6-Apocrypha 0:42
7-The 3rd World 4:44
8-Hollywood Driveby 6:45
9-Reverse Pimpology 4:30
10-Open Your Eyes 5:15
11-Payback 4:26
12-Adios, Uncle Tom 0:40
13-Stronghold Grip 4:03
14-Mistakes 3:24
15-Parole (Evil Genius mix) 3:59
16-Crimes of the Heart 8:33

DepositFiles//Rapidgator//Uploaded.to

PS: Agora ao fim de todas os "rounds" do Batendo de Frente eu vou colocar uns links pra quem quiser saber mais sobre os temas abordados. A começar agora, vou colocar alguns links que falam sobre a Guerra Civíl Peruana que houve entre 1980-2000, que culminou na queda do ditador Alberto Fujimori (este que está na mídia ultimamente, caso voce costume acompanhar jornais). E só pra deixar claro, eu sei muito bem que os links tem uma certa tendencia a defender o lado esquerdista do conflito, mas isso não é culpa minha, eu juro que tentei encontrar links dos dois lados, mas infelizmente a mídia em portugues cobriu mal e porcamente o conflito pra ter uma análise imparcial dos fatos, então a cobertura mais completa que encontramos é por parte de blogs e jornais independentes, estes que normalmente não são muito fãs do Estado. Enfim, taí, leiam se quiserem conhecer mais e vamos pro segundo round que hoje tem muito mais coisa pra eu falar ainda (viu, reclamaram que eu demorei a voltar com a coluna, agora aguentem!)

Links para saber mais:
A vida sob o Sendero Luminoso
Guerra Civil Peruana matou pelo menos 69 mil pessoasMais sobre a história Sendero Luminoso
Sobre todas as revoluções e golpes de estado da história do Peru (em espanhol, mas mete um google tradutor aí!)
Quem foi afinal Alberto Fujimori (em espanhol também)
A atual polemica encima de Fujimori
Fujimori pede ao governo Peruano indulto pelo seus crimes contra a humanidade e de corrupção (sério)

Round 2

Madison Rising

Dave na capa do primeiro single da banda, Soldiers Of America

Formada no ano passado, a Madison Rising é aquela típica banda criada a partir de um frontman com uma idéia na cabeça que passa então a juntar músicos de referência de outras bandas para formar a sua própria. No caso aqui, o nosso frontman cheio de idéias se chama Dave Bray, que apesar da ideologia escancarada da banda, nasceu em Yorkshire na Inglaterra, mas logo ainda com 5 anos de idade se mudou com sua família para a Pennsylvania, nos EUA. Seus pais trabalhavam na NSA, a agência de segurança nacional americana, e Dave mesmo na sua vida adulta serviu a marinha americana por 4 anos. Estes dois fatores mostram quem é o vocalista e frontman de nossa banda do segundo round, um patriota americano com fortes convicções conservadoras.

Mas não é só Dave que tem sua demonstração de patriotismo e amor aos Estados Unidos escancarados. A começar pelo guitarrista Alex Bodnar, que já trabalhava como guitarrista em diversos projetos musicais grandes, como por exemplo o projeto solo de Scott Stapp, do Creed, e mais importante, participava de um projeto do governo americano de apoio aos seus soldados em missões pelo mundo levando artistas americanos para fazer shows para os batalhões presentes em países como Bahrain, Kuwait e inclusive na África. O baterista Sam Fishman, apesar de diretamente não ter nenhuma relação com o governo americano ou o exército americano, se formou numa das melhores universidades americanas e assim como o segundo guitarrista da banda, Christopher Schreiner, é um ícone musical nos Estados Unidos no meio musical do seu instrumento. Schreiner é considerado um dos melhores guitarristas americanos dos últimos anos, sendo um dos melhores alunos do Berklee College of Music (deonde sairam alunos como o Adam Dutkiewicz do Killswitch Engage, e vários outros guitarristas famosos americanos na música contemporânea). Por fim, completa a banda o baixista Steve Padelski, também figura conhecida no meio musical de Nova Jersey, onde cresceu, e entrou na banda por influência do baterista, Sam Fishman.

Não é dificil perceber que o Madison Rising é uma banda americana com orgulho de suas origens. O próprio nome da banda é inspirado em James Madison, o quarto presidentes dos EUA e conhecido por ser um dos principais autores da Bill Of Rights, uma parte essencial da constituição americana que foi criada em 1789 e continha, além de muitos conceitos importados da Bill Of Rights inglesa e inspirados nas idéias de John Locke, artigos polêmicos (não para a época) que protegiam essencialmente os homens brancos em detrimento dos indígenas e negros. Fato este que ficaria escancarado posteriormente na história americana e levaria a novas modificações na constituição.


Mas o que traz o Madison Rising ao Batendo de Frente #2 não é somente sua ideologia conservadora, pratriota americana e tudo mais. No ano passado, nos EUA (e posteriormente no mundo todo) um movimento típicamente anti-capitalista tomou conta do país: o Occupy Wall Street. E um dos principais meios do Occupy se disseminar era através da música: muitos artistas, como Tom Morello, e o Immortal Technique,  e muitos outros, especialmente independentes, participaram de shows organizados nos locais de protesto (o método de protesto do movimento Occupy, como ficaria disseminado pelo mundo tudo, era ocupar de fato áreas importantes economicamente de grandes cidades do capitalismo, como Nova York (Wall Street), São Paulo, Berlin e outras, fazendo protestos pacíficos (a principio) contra a desiguladade social e má distribuição de renda causada pelo capitalismo e principalmente pelo controle de grandes corporações na política (o famoso We Are The 99%)).




Pois bem, depois de muita repressão policial e buzz midiático nos EUA e no mundo, uma das últimas grandes ocupações do movimento nos EUA foi no Zucotti Park, em Manhattan, Nova York, um parque bem no centro da cidade que foi ocupado por centenas de manifestantes por mais de um mês, até serem expulsos pela policia num último confronto. Em meio à ocupação, num dos shows realizados pelos manifestantes, advinha qual banda resolve se condividar para o evento? Sim, a Madison Rising. No entanto, logo ao saberem das convicções políticas da banda, os manifestantes impediram que a banda tocasse no parque expulsando a banda do mesmo na marra. Esse episódio, apesar de parecer bem coerente, gerou um estardalhaço midiático nos EUA, principalmente contra os manifestantes, acusados de não permitirem a livre expressão ao impedirem uma banda com convicções contrárias tocar num festival organizado por eles. Isso provocou inclusive uma resposta na mídia por parte de Dave Bray e o resto da banda, que passaram a de forma ainda mais forte criticar os objetivos do movimento e reforçar o apoio ao governo americano (que no entanto tentava até admnistrar o conflito declarando apoio aos manifestantes).

E bem, notem como neste Batendo de Frente o foco foi a velha rivalidade entre esquerda revolucionária socialista e direita conservadora capitalista, mas indo mais além, podemos dizer que esse conflito aconteceu inclusive dentro de um mesmo espectro da cidade de Nova Iorque. E assim vou terminar esse segundo round com o único disco da Madison Rising, homônimo, que é um disco de rock alternativo bem genérico, sem absolutamente nada diferente, a não ser pelas letras extremamente explícitas. Sinceramente, não há muito o que ser dito sobre o álbum, exceto o que eu já disse ali encima - as coisas mais interessantes no que se referem ao disco e a banda não são a música. Mas pra quem curte um rockzinho leve, pode ser até que curta, além é claro de quem concordar com as ideologias dos caras, afinal, não é muito comum, dentro especialmente do rock, existirem bandas tão abertamente conservadoras.

Madison Rising - Madison Rising (2011)

Tracklist

1- Right To Bear
2- Soldiers Of America
3- Rally The Youth
4- Honk If You Want Peace
5- Walking Through That Door
6- American Dream
7- Hallowed Ground
8- Where Was The Media Then
9- Before The Hyphens Came
10- In The Days That Reagan Ruled






DepositFiles//Rapidgator//Uploaded.to

Links para saber mais:
Uma das várias repercussões na imprensa americana sobre a expulsão da banda do Zuccoti Park

Bandcamp do Occupy Music, projeto com bandas e artistas independentes em apoio ao Occupy
Site oficial do Madison Rising

Site oficial do Occupy Wall Street
Análise da VEJA sobre o Occupy Wall StreetO Ocupasampa, a versão de São Paulo do movimento OccupyE o OccupyRio, a versão carioca do movimento
Biografia (em inglês, malz ae) de James Madison


Acabou!
E bem, é isso pessoal, demorei a postar novamente essa coluna, mas fiz com muito carinho graças a excelente repercurssão da primeira coluna (e eu fiquei realmente muito, muito feliz com isso). Tomara que vocês gostem dessa nova edição, onde eu fui um pouco mais fundo ainda em todos os temas - e isso pode ter me levado a cometer mais erros ainda, então qualquer coisa, avisem (sem me xingar muito por obséquio).

Até a próxima edição e espero não demorar tanto assim pra posta-la novamente. Já tenho o tema em mente, assim como já tinha o desta, quando vocês mandaram sugestões nos comentários da primeira edição da coluna, mas eu anotei todas as sugestões e são todas excelentes, com certeza vou usar. Portanto se alguém tiver novas sugestões de artistas com ideologias marcantes e tal, sintam-se livres pra dizer que será com certeza de muita ajuda.

No mais, obrigado por terem lido isso tudo e até a próxima!

4 Responses so far.

  1. Koticho says:

    Mais uma vez sensacional

  2. Lindão, aguardando próximo!

  3. Um puta álbum esse do Immortal Technique

  4. Paulo says:

    To conhecendo hoje teu blog, cara. Fantástico, parabéns pela trabalho (e pela trabalheira). Desconheço trabalho semelhante, tão amplo e, ao mesmo tempo, profundo. Abraço e continue assim, na medida do possível, neutro.

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